Inema autua assentamento Primavera Capefe em Santa Rita de Cássia por desmatamento não autorizado de 3,1 hectares de vegetação nativa do Cerrado, bioma sob crescente pressão no Oeste baiano
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) aplicou uma multa a um assentamento localizado em Santa Rita de Cássia, município da Bacia do rio Corrente, no Oeste da Bahia, por desmatamento ilegal de vegetação nativa do Cerrado. A medida foi divulgada nesta quarta-feira, 2 de abril. As informações são do Bahia Notícias.
A autuação decorre de uma fiscalização realizada pelo Inema, que constatou o desmatamento de uma área de 3,1 hectares – o equivalente a aproximadamente três campos de futebol – de vegetação nativa característica do Cerrado, bioma predominante na região oeste da Bahia. A supressão da vegetação ocorreu sem a prévia autorização do órgão ambiental competente, o que configura infração ambiental.
A área desmatada está localizada no Assentamento Primavera Capefe, situado na zona rural de Santa Rita de Cássia. Segundo informações apuradas pela fiscalização do Inema, a vegetação teria sido removida com o objetivo de formar uma área de pastagem para a criação de gado.
A associação responsável pela administração do Assentamento Primavera Capefe foi autuada e deverá pagar uma multa no valor de R$ 3,1 mil. O valor está sujeito a juros em caso de atraso no pagamento, conforme estabelece a legislação ambiental.
O Inema informou que a associação tem um prazo de 20 dias, a partir da data de notificação, para apresentar sua defesa e contestar a autuação, caso considere necessário. A análise da defesa será realizada pelo órgão ambiental, que poderá manter, reduzir ou cancelar a multa, dependendo dos argumentos apresentados e das provas documentais.
O caso reforça a preocupação com o avanço do desmatamento no Cerrado baiano, bioma que vem sofrendo crescente pressão devido à expansão da agropecuária e outras atividades econômicas. A fiscalização e a aplicação de multas são instrumentos importantes para coibir práticas ilegais e garantir a preservação do meio ambiente.
Operação apreende maquinário e reforça combate ao avanço ilegal no Cerrado, berço das águas do Brasil
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – Mais de R$ 66 milhões em multas, 18 máquinas agrícolas apreendidas e uma nova demonstração da urgência de proteger o Cerrado. Assim se encerrou a Operação Nova Fronteira, realizada pelo Ibama com apoio da Polícia Militar Ambiental e fiscais da Fundação Natureza do Tocantins (Naturatins), entre os dias 11 e 13 de novembro. A ação foi voltada ao combate de desmatamento ilegal em áreas embargadas na região do Matopiba, abrangendo Dianópolis e Mateiros (TO) e Formosa do Rio Preto (BA).
De acordo com o Ibama, os produtores autuados utilizavam terras previamente interditadas para cultivo de grãos, desrespeitando embargos e impedindo a regeneração natural do bioma. Foram flagrados oito tratores, quatro pulverizadores e seis plantadeiras operando nas áreas em desacordo com a legislação ambiental.
Desmatamento em alta no Cerrado
O Cerrado, conhecido como o “berço das águas” do Brasil, abriga nascentes que alimentam seis das oito principais bacias hidrográficas do país e é considerado um dos biomas mais ameaçados. Entre agosto de 2022 e julho de 2023, o desmatamento na região cresceu 3%, segundo dados do Prodes, alcançando a destruição de 11.011,7 km² do bioma.
Grande parte dessa devastação se concentra no Matopiba — que abrange o sul do Maranhão, todo o Tocantins, o sul do Piauí e o oeste da Bahia. A área, classificada como nova fronteira agrícola do país, registrou 72% de todo o desmatamento do Cerrado no último período monitorado.
Ações intensificadas contra práticas ilegais
Os agentes de fiscalização enfatizaram que a reincidência no uso irregular de terras embargadas é uma preocupação crescente.
“A aplicação de penalidades tão expressivas visa inibir a continuidade dessas práticas e proteger o equilíbrio ambiental da região”, afirmou uma fonte do Ibama.
Além de prejuízos ambientais, o avanço do agronegócio em terras proibidas reflete o desafio de alinhar a expansão econômica à preservação de recursos naturais estratégicos. O Cerrado não é apenas um celeiro agrícola, mas também um reservatório de biodiversidade essencial para o equilíbrio climático e hídrico do Brasil.
Os nomes dos responsáveis pelas áreas autuadas não foram divulgados, e a defesa dos envolvidos não foi localizada para comentar. A Operação Nova Fronteira exemplifica um esforço mais robusto na fiscalização ambiental, uma resposta à escalada de crimes ambientais em uma das regiões mais pressionadas do país.
O sistema Deter, do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais, mede alertas de desmatamento e é usado para orientar ações de fiscalização
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgou que o desmatamento no Cerrado apresentou uma queda de 12,9% nos primeiros cinco meses de 2024. Esses dados foram obtidos através do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que serve de base para ações de fiscalização ambiental.
Segundo o governo federal, os resultados demonstram um avanço significativo nas políticas de preservação ambiental. Além da redução no Cerrado, a Amazônia também registrou uma diminuição expressiva nos alertas de desmatamento. Em 2023, houve uma queda de quase 50% nos alertas de desmatamento em comparação com 2022. Entre janeiro e maio de 2024, a diminuição foi de 40,5%.
Compromissos com o Meio Ambiente
No Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quarta-feira (5), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reafirmaram o compromisso do governo com a sustentabilidade. Durante a cerimônia, foram assinados oito decretos focados na preservação ambiental.
Esses decretos integram uma série de medidas do governo atual para proteger as florestas e reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Ações como essas são fundamentais para garantir a conservação dos biomas brasileiros e o cumprimento das metas ambientais internacionais.
Os dados apresentados pelo Inpe reforçam a importância de políticas públicas eficazes e de um monitoramento constante para a preservação do meio ambiente. O sistema Deter, por sua capacidade de fornecer alertas em tempo real, desempenha um papel crucial na identificação e combate ao desmatamento ilegal.
Com esses novos decretos e os números positivos na redução do desmatamento, o governo brasileiro sinaliza um caminho promissor para a sustentabilidade e a proteção das florestas. A continuidade desses esforços será essencial para assegurar um futuro ambientalmente saudável para o país.
É inadiável ampliar unidades de conservação e melhor alocar a vegetação legalmente protegida para salvar espécies nativas
O Eco – A eliminação galopante da savana brasileira complica os planos para concretizar uma rede de passagens verdes que reforçaria a conservação da onça-pintada, o maior carnívoro do continente. Ampliar a proteção ambiental, restaurar e conectar a vegetação natural abreviaria o risco.
Entidades civis querem assegurar até 2030 um mega corredor entre áreas conservadas através de países das américas do Sul e Central para reforçar a sobrevivência no longo prazo de grandes mamíferos. Além da “pintada”, serão amparados animais como a anta, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira.
“Grandes impactos como o desmatamento fazem com que os animais se coloquem em riscos desnecessários”, alerta o biólogo Felipe Feliciani, analista e responsável pela estratégia para conservação da onça-pintada (Panthera onca) da ong WWF-Brasil.
A destruição expõe os felinos à caça, mortes por devorar gado ou atropelamentos, complica sua alimentação e também fragiliza populações isoladas pela cruza de animais aparentados. Isso aumenta as chances de que genes problemáticos passem entre gerações.
O problemão tira o sono de conservacionistas, mas o fracionamento e o corte raso da vegetação nativa aceleram no centro do país, uma ponte natural entre outros biomas e peça-chave do corredor americano das pintadas. “A falta de conectividade é um enorme desafio para a conservação”, ressalta Feliciani.
A situação se complica numa das últimas grandes parcelas íntegras do Cerrado, a Chapada dos Veadeiros, onde crescem cidades, mineração, geração de energia, lavouras e pastos. Desde 1985, a agropecuária tomou 230 mil hectares de seus ambientes naturais, quase metade da área do Distrito Federal.
O número é do MapBiomas e mostra o ocorrido até 2022 nos municípios do nordeste goiano onde se espalha a região de montanhas, campos, florestas e savanas – Alto Paraíso, Campos Belos, Cavalcante, Colinas do Sul, Monte Alegre, Nova Roma, São João D’Aliança e Teresina.
Do total, 191 mil hectares (83%) estão na Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto, uma reserva estadual de “uso sustentável” que deveria tornar ações humanas mais amigáveis ao Cerrado e reduzir delitos ambientais ao redor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
O desmate (vermelho) por agropecuária na APA do Pouso Alto (cinza) até 2022. Ao centro, o traçado do Parna da Chapada dos Veadeiros até 2017, quando passou de 65 mil ha para 240 mil ha. À esquerda (azul) o lago da Hidrelétrica de Serra da Mesa. Imagem: MapBiomas/O Eco.
Áreas naturais apartadas por lavouras prejudicam grandes espécies, como no oeste baiano e em inúmeras outras regiões do Cerrado. Imagem: Google Earth/O Eco
Um desmate regional que subirá se planos diretores municipais mudarem para ampliar manchas urbanas e atender à disparada de loteamentos e turismo. Ano passado, só o parque nacional teve 80,2 mil visitas, 900% a mais que as 8 mil contadas em 2000, aponta o Governo Federal.
Isso não enxotou delitos ambientais. Desde 2017, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) lista mais de R$ 2,7 milhões em autos de infração por desmatamento, caça e entraves à fiscalização dentro da área protegida, mostrou ((o))eco.
Já as multas aplicadas desde 2019 em Goiás pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) somam R$ 100 milhões. Em Veadeiros, os principais crimes são “parcelamento irregular do solo e uso da água sem outorga”, conta a agência estadual.
“A Semad está atenta ao crescente interesse no potencial da região nordeste do estado e tem feito fiscalizações periódicas e intensificadas (…) a fim de coibir o uso irregular e ilegal dos recursos naturais”, afirma a Assessoria e Imprensa da Semad.
Em janeiro, com imagens de satélite e comprovação em campo, a fiscalização estadual goiana flagrou quase 1.000 hectares desmatados entre a APA do Pouso Alto e o território quilombola Kalunga, onde descendentes de escravizados mantêm história, cultura e o Cerrado.
“Veadeiros está sob pressão muito forte. Qual é a capacidade de suporte dos recursos naturais da região?”, questiona Adolpho Kesselssing, dono de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) na Chapada dos Veadeiros.
Desmatamento ilegal flagrado pela fiscalização estadual na APA do Pouso Alto, em 2021. Foto: Semad/Divulgação
Bioma apagado
O drama de Veadeiros é comum ao passado e assombra o futuro de outras porções do Cerrado. Metade dele já foi para o beleléu e o agronegócio cresce sobretudo entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O desmate do bioma é licenciado principalmente pelos estados, permite uma lei federal de 2011.
“Metade das licenças tem ilegalidades, como incidir em áreas griladas ou sem análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR)”, lembra Pedro Bruzzi, engenheiro florestal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, representante de ongs do Centro-oeste no Conselho Nacional do Meio Ambiente e superintendente-executivo da Fundação Pró-Natureza.
O CAR é um registro obrigatório da legislação florestal. A norma federal permite desmatar de 50% a 80% em fazendas no Cerrado. Já na Amazônia, as derrubadas são de no máximo 20% dos imóveis rurais. Isso é parte grossa da conta da eliminação do Cerrado, hoje superior a 10 mil km2 anuais, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
“Esse desmatamento tem alto impacto no clima global, pois o bioma estoca em média o dobro do carbono mantido por hectare na Amazônia, ainda mais priorizada em políticas de conservação”, alerta Bruzzi.
Não bastando, no Cerrado a lei florestal mostra um “excedente” de 1,84 milhão de hectares em Reservas Legais. Ou seja, uma área similar a ⅓ do território da Paraíba ou à metade de Taiwan ainda pode ser desmatada. O balanço é do Observatório do Código Florestal.
“O descontrole do desmatamento no bioma é uma catástrofe”, ressalta Bruzzi. “Isso afronta as convenções de biodiversidade, clima e desertificação, mas é uma crise ainda pouco reconhecida. Podemos estar perto de um ponto de não retorno para o Cerrado”, sublinha.
A escassez de parques e outro tipos de unidades de conservação é outro flagelo do Cerrado. Só 8,68% dele é abrigado nessas terras, sendo apenas 2,89% com proteção mais restrita. Os dados são de um painel sobre reservas ecológicas brasileiras. Mas a conta é ainda maior. Metas internacionais de conservação pedem que ao menos 30% da biodiversidade seja formalmente protegida até 2030. Pedra no caminho da proteção da onça-pintada, em terras brasileiras apenas a Amazônia se aproxima do percentual, com 28,5% em unidades de conservação.
A soja ronda o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, no norte de Minas Gerais. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress
Ligando pontos
A onça-pintada é um animal poderoso. Pode pesar 150 kg e atingir 2,5 metros do focinho à ponta da cauda. O maior felino americano só fica atrás dos leões e dos tigres. Apesar disso, a fera tem suas fragilidades, como precisar de grandes áreas para caçar e reproduzir.
Esses traços naturais explicam porque suas maiores populações estão no Pantanal e Amazônia, enquanto foram quase zeradas nos devastados Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. No Pampa não existem mais. No continente americano, o território original da espécie já foi encolhido pela metade.
Reverter esse quadro alarmante é o grande alvo do corredor abraçado por um número crescente de entidades americanas.
“A escala do projeto é tão grande que precisamos de mais apoio de ongs locais, governos e setor privado”, diz Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil.
Em amarelo, azul claro e verdes, o corredor e as áreas mais relevantes para conservar a onça-pintada nas Américas. Mapa: Jaguar 2030 Roadmap (WWF/WCS/Panthera/UNDP)/O Eco
Tornar real e manter essa poderosa “malha rodoviária verde” depende de uma articulação desses setores para espremer a criminalidade ambiental, conter o desmate legalizado, ampliar a área em unidades de conservação e respeitar a legislação florestal.
Com cerca de oito em cada dez hectares em terras privadas e a falta crônica de orçamento de órgãos ambientais para desapropriar esses imóveis e criar áreas protegidas públicas, as reservas privadas despontam para juntar os caquinhos do Cerrado.
É o que fez o professor de Geografia e consultor de entidades ambientalistas Adolpho Kesselssing. Mais de 40 anos de trabalho acumularam dinheiro para comprar terras e criar a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário Beija Flor, em Colinas do Sul (GO).
Seus quase 9 hectares se conectam aos 90 hectares da Reserva Legal de uma fazenda vizinha, compondo um maciço rico em fauna silvestre rumo ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
“Estamos tentando convencer mais vizinhos a engrossar o corredor”, conta. Alguns fazendeiros temem perder as terras e topam com dura burocracia para criar RPPNs, que na realidade seguem com os donos, abrem alas a desconto em impostos e turismo. “Mas tem uma ordem trocada no país. É muito mais fácil desmatar do que criar uma reserva”, reclama Kesselssing.
Onça-pintada numa reserva privada em Cavalcante (GO). Imagem do Programa de Conservação de Médios e Grandes Mamíferos (UnB) cedida por Flávia Cantal (RPPN Avá-Canoeiro)
Corredores são citados na lei federal de parques e outras unidades de conservação, de 2000, e no código florestal de 2012, mas sua implantação não foi regrada nessas normas. Isso poderia incentivar a interligação de maciços de vegetação nativa, conservada ou a recuperar.
Por isso é fundamental acelerar a implantação da legislação florestal, defende o biólogo, mestre em Geoprocessamento Ambiental pela Universidade de Brasília (UnB) e analista no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Samuel Schwaida.
“É estratégico que os estados acelerem a validação de cadastros ambientais para disparar planos de recuperação da vegetação nativa. Esse é hoje um grande gargalo”, analisa.
Outro possível pulo do gato para conectar áreas conservadas são as grandes trilhas. Elas se espalham por milhares de quilômetros no Brasil graças à ação pareada de governos e sociedade, amparada por enquanto em portarias federais. Em outros países, elas já fazem história. Como trouxe reportagem nossa em 2018, nos Estados Unidos trajetos como a Appalachian Trail, pensada desde 1900, unem conservação de animais e plantas, turismo e geração de empregos. Ela tem 3,5 mil km.
“É a mais longa unidade de conservação dos Estados Unidos”, pontua Schwaida.
As grandes trilhas unem conservação, economias e qualidade de vida. Foto: Aldem Bourscheit
Essas rotas não crescem ainda mais no Brasil por entraves legais e preconceito. Desde 2017, um projeto de lei tramita no parlamento federal para regrar o trânsito por trilhas em propriedades privadas rumo a montanhas, cavernas, praias, rios e cachoeiras.
“A cultura nacional não entende e valoriza as grandes trilhas. Muitos fazendeiros se fecham desconfiados de quem está circulando por suas terras. É importante valorizar e recompensar os proprietários parceiros das trilhas de longo curso”, destaca Schwaida.
Nesse sentido, Pedro Bruzzi, superintendente-executivo da Fundação Pró-Natureza, lembra que “conservar a natureza é um bom negócio que pode ser remunerado por exemplo com pagamentos por serviços ambientais, turismo sustentável, créditos de carbono e de biodiversidade”.
Para unir as pontas da conservação e uso sustentável da natureza, um mosaico é planejado há 6 anos na Chapada dos Veadeiros. Ele promoveria a gestão integrada e conjunta de unidades de conservação, fazendas e cidades. O modelo serve outros pontos do país, como no norte e noroeste de Minas Gerais e sudoeste da Bahia, onde o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu foi reconhecido pelo MMA em 2019.
“É uma ação fundamental para conservar uma das últimas fronteiras do Cerrado”, pontua Pedro Bruzzi, da Fundação Pró-Natureza. Os estudos do mosaico Veadeiros-Paranã são apoiados por entidades e recursos nacionais e internacionais. Azeitar a iniciativa beneficiará de pessoas a onças-pintadas.
“A presença da espécie indica que os ambientes estão saudáveis, favorecendo a extração sustentável de recursos da biodiversidade, o ecoturismo, a produção rural e outras atividades econômicas”, destaca Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil.
Que a onça-pintada possa seguir seu caminho histórico pelas Américas. Foto: Ana Cotta/Creative Commons
Reportagem de Deutsche Wellei | IstoÉ – Até chegarem nas vitrines de gigantes como Zara e H&M, calças, bermudas, camisetas e meias de algodão deixam para trás um rastro de desmatamento, grilagem de terras e violação de direitos humanos no Brasil. Para o consumidor, as peças parecem acima de qualquer suspeita: a maioria estampa um selo de produção sustentável.
A denúncia faz parte do relatório Fashion Crimes da organização Earthsight, publicado nesta quinta-feira (11/04). Ao longo de um ano, uma investigação detalhada focou nos negócios que conectam as lavouras do Brasil, quarto maior produtor da commodity no globo, às marcas europeias.A ong analisou o caminho percorrido por 816 mil toneladas de algodão com a ajuda de imagens de satélite, registros de envios de mercadoria, arquivos públicos e visitas às regiões produtoras.
Segundo o relatório, essa matéria-prima foi destinada especialmente a oito empresas asiáticas que, entre 2014 e 2023, fabricaram cerca de 250 milhões de itens para as lojas. Muitos deles, alega a investigação, abasteceram marcas como H&M e Zara, entre outras.
“É chocante ver estas ligações entre marcas globais muito reconhecidas, mas que, ao que tudo indica, não se esforçam o suficiente para ter controle sobre estas cadeias de fornecimento, para saber de onde vem o algodão e quais tipos de impacto ele provoca”, diz Rubens Carvalho, chefe de Pesquisa sobre Desmatamento da Earthsight, à DW.
Crimes no Cerrado
O problema, afirma a ong baseada no Reino Unido, está na origem da matéria-prima. O algodão exportado sai principalmente do oeste da Bahia, região imersa no Cerrado brasileiro muitas vezes desmatado ilegalmente para ampliar o cultivo. Em alta, o corte desta vegetação dobrou nos últimos cinco anos, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Dentre os casos analisados no relatório, está o grupo SLC Agrícola. Fundado em 1977 no Rio Grande do Sul, o grupo diz ser responsável por 11% do algodão brasileiro exportado (safra 2019/2020).
O estudo da Earthsight também diz que, nos últimos 12 anos, estima-se que 40 mil campos de futebol de Cerrado tenham sido destruídos dentro das fazendas do SLC. Em 2020, a empresa, que também planta soja, foi apontada como a maior desmatadora do bioma, calculam pesquisadores do Chain Reaction Research.
Em 2021, o SLC se comprometeu junto a fornecedores com uma política de desmatamento zero. Um ano após a promessa, um relatório da Aidenvironment identificou o corte de 1.365 hectares de Cerrado dentro das propriedades que cultivam algodão, o equivalente a 1.300 campos de futebol. Quase metade estava dentro da reserva legal.
Uma consulta feita pela Earthsight no banco de dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostra mais de R$ 1,2 milhão de multas aplicadas por infrações ambientais desde 2008 nas fazendas do grupo no oeste da Bahia.
Uma das acionistas da SLC é a britânica Odey Asset Management. Em 2020, em uma entrevista para o diário britânico Financial Times, o fundador da empresa disse que arcar com as penalidades ambientais no Brasil era algo corriqueiro como “pagar multas de trânsito”.
Questionado, o grupo afirmou por meio de nota à DW que “todas as conversões de área com vegetação nativa da SLC seguiram os limites estabelecidos por lei”. Especificamente sobre a área desmatada em 2022 apontada no relatório da Aidenvironment, a empresa diz que a destruição se deu por “um incêndio natural, não ocasionado para a abertura de novas áreas para produção”.
Sobre as multas aplicadas pelo Ibama, a SLC Agrícola diz ter recorrido administrativamente de todas as autuações. “As multas que foram objeto de recurso estão em tramitação e não houve, até o momento, um julgamento definitivo”, diz a nota.
“Grilagem verde”
Outro grupo analisado em detalhes é o Horita, original do Paraná e atuante na Bahia desde a década de 1980. Dentre as várias denúncias feitas pela Earthsight está a chamada grilagem verde: imposição de reservas legais, ou áreas de preservação de propriedade privada, em zonas onde vivem comunidades tradicionais. A manobra impede que famílias realizem atividades de subsistência e, nos piores casos, permaneçam nas terras.
O conflito fundiário entre as famílias geraizeiras, como se identificam essas comunidades tradicionais na região, e fazendeiros data de 1970. Na década seguinte, a companhia Delfin Rio compra terras e registra o empreendimento como Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo. Segundo a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do estado (AATR), o grupo Horita é um dos sócios do complexo de fazendas.
Em 2017, as famílias geraizeiras da zona rural de Formosa do Rio Preto, no oeste baiano, ajuizaram uma ação contra a Estrondo por grilagem de terra e ganharam, em caráter liminar, a posse coletiva de 43 mil hectares que o empreendimento dizia ter comprado. A maior parte está no coração da Matopiba, zona de expansão do agronegócio que integra os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, habitada há mais de 200 anos pelos geraizeiros.
Em 2019, a Operação Faroeste da Polícia Federal revelou um conluio do alto escalão do magistrado baiano para favorecer fazendeiros na mesma região. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), um esquema de compra de sentenças teria movimentado cifras bilionárias em disputas de terras e tinha participação de magistrados, empresários, advogados e servidores públicos. Walter Horita, um dos fundadores do grupo, é um dos réus no processo, ainda em julgamento.
Um dos magistrados acusado de vender sentença para grileiros, segundo a Operação Faroeste, atuou na ação que julgava a posse coletiva dos geraizeiros. Segundo a AATR, a liminar a favor das comunidades só passou a ser cumprida após o afastamento e prisão do juiz.
Procurado pela DW, o Grupo Horita declarou nesta quarta-feira que “aguardará a divulgação do relatório para qualquer nova manifestação, para além das que já foram proferidas pelo seu departamento jurídico, em resposta às acusações da ONG”.
“Todas as alegações negativas contra o Grupo Horita constantes da Carta da Earthsight, datada de 23/08/2023, como supostos ‘achados’, não correspondem à verdade”, diz um trecho da resposta enviada à ong.
Rota até as marcas europeias
Durante a investigação, a Earthsight seguiu a rota de 816 mil toneladas de exportações de algodão que saíram da SLC Agrícola e Grupo Horita entre 2014 e 2023 para os principais destinos: China, Vietnã, Indonésia, Turquia, Bangladesh e Paquistão. Com base em dados que permitem rastreio – o que não ocorre no caso chinês –, as pistas levaram a oito fabricantes de roupas na Ásia.
Todas as intermediárias identificadas (PT Kahatex, na Indonésia; Noam Group e Jamuna Group, em Bagladesh; Nisha, Interloop, YBG, Sapphire, Mtmt, no Paquistão) fornecem produtos acabados a marcas como Zara e H&M, segundo aponta a ong.
“O algodão que associamos aos abusos de direitos à terra e ambientais na Bahia tem certificação Better Cotton. Essa iniciativa falhou em impedir que este algodão chegasse aos consumidores preocupados”, afirma o relatório da Earthsight.
Criada em 2009 pela indústria e outras organizações, incluindo a WWF, a iniciativa criou um selo para atestar a origem da matéria-prima no intuito de garantir qualidade e respeito ao meio ambiente. No Brasil, segundo dados da Better Cotton, há 370 fazendas certificadas em parceria com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).
Em 2018, uma análise feita pela Changing Markets Foundation, organização que visa alinhar mercados a padrões de sustentabilidade com sede na Holanda, sobre certificadoras apontou problemas na Better Cotton. “Em geral, os padrões para o algodão certificado são baixos e aplicam-se apenas ao início da cadeia de abastecimento de algodão. Considerar o certificado uma garantia de sustentabilidade é enganoso”, dizia o levantamento.
A Better Cotton, sediada em Genebra, disse à DW que acaba de concluir uma auditoria aprimorada feita por terceiros das fazendas envolvidas e que precisa de tempo para analisar as conclusões e implementar mudanças, caso sejam necessárias. “As questões levantadas [pelo relatório] demonstram a necessidade premente de apoio governamental na abordagem das questões trazidas à luz e na garantia de uma implementação justa e eficaz do Estado de direito”, diz o e-mail da iniciativa.
Mais controle das cadeias
À DW, a H&M afirmou que “as conclusões do relatório são altamente preocupantes” e que encaram a questão com muita seriedade. “Estamos em estreito diálogo com a Better Cotton para acompanhar o resultado da investigação e os próximos passos que serão dados para fortalecer e revisar seu padrão”, respondeu a varejista, também por e-mail.
A Zara disse à DW que leva “as acusações contra a Better Cotton extremamente a sério” e exige que a certificadora compartilhe o resultado de sua investigação o mais rápido possível.
“Além disso, solicitamos com urgência as providências tomadas pela Better Cotton para garantir a certificação de algodão sustentável nos mais altos padrões”, disse a varejista por meio de nota.
Nesta quarta-feira, a Inditex, proprietária da Zara, exigiu mais transparência da Better Cotton após anúncio da divulgação do relatório para esta quinta. A Inditex enviou uma carta à iniciativa com data de 8 de abril, pedindo esclarecimentos sobre o processo de certificação e progressos em práticas de rastreamento de cadeias produtivas. A Inditex não compra o algodão diretamente dos fornecedores, mas as empresas produtoras são auditadas por certificadoras como a Better Cotton.
Para Rubens Carvalho, da Earthsight, responsabilizar os europeus é parte da solução para acabar com o desmatamento e violações de direitos nos centros produtores de commodities, como o Brasil.
“O algodão ainda é pouco regulamentado nos mercados europeus. Eles precisam regular seu consumo e desvinculá-lo de impactos negativos ambientais e humanos. É preciso uma regulamentação séria, que puna em caso de descumprimento. Isso aumenta a pressão sobre os produtores”, defende Carvalho.